Por Marcos Garcia
Poucas bandas do Black Metal no Brasil são tão respeitadas pelos fãs quanto o OCULTAN, de SP.
Praticantes de um Black Metal cru e bem feito, e após três anos desde o ótimo ‘Atombe Unkuluntu’, retornam com o sombrio ‘Shadows from Beyond’, que tem um forte toque de “volta às raízes”.
Aproveitando este momento, fomos bater um papo com Count Imperium, baterista e vocalista do grupo, e saber mais sobre o atual momento do trio, bem como um pouco de seu passado e de seus planos futuros.
Metal Samsara: Em primeiro lugar, queremos agradecer por nos conceder esta entrevista. A primeira pergunta é: o que houve nesses três anos entre ‘Atombe Unkuluntu’ e ‘Shadows from Beyond’? É um hiato de tempo bem grande...
C.Imperium: Procuramos aproveitar ao máximo esse intervalo entre um disco e outro. Posso dizer que passarmos concentrados durante a maior parte desse tempo compondo as músicas que fizeram parte do cast de 'Shadows from Beyond'.
Não adianta compor um disco as pressas, só para dizer que mais um álbum está sendo lançado. Estamos sempre procurando melhorar nossas composições. Queremos a cada novo lançamento pode atingir um nível superior a seu antecessor.
Count Imperium |
Metal Samsara: Uma das coisas que saltam os olhos em relação a esses dois discos é que em ‘Atombe Unkuluntu’ se notavam alguns elementos de Death Metal em sua música, ao mesmo tempo em que a sonoridade do disco estava um pouco mais limpa, e ‘Shadows from Beyond’ mostra uma espécie de “volta às raízes” da banda, com a gravação mais crua, sem nenhum toque de Death Metal, mas ainda assim, a banda mostra-se renovada. O que mudou na banda entre os dois discos? E poderíamos dizer que foi algo mais intencional, ou o processo de composição da banda foi bem espontâneo, sem nenhum tipo de pressão ou cobrança de vocês com vocês mesmos?
C.Imperium: Sempre que acaba de ser lançado um determinado álbum procuramos fazer uma análise do material .Procuramos analisar tanto a parte positiva quanto a negativa. Após o lançamento do álbum 'Profanation', optamos em fazer algumas mudanças em nossa musica, que passou a ter influencias do Death metal. Com essas mudanças, nossas composições passaram a ganhar mais agressividade e velocidade, porém veio perdendo um pouco daquela essência obscura que a banda possuía nós primórdios. Foi então que começamos a trabalhar nas músicas que fizeram parte do 'Atombe Unkuluntu'. Nesse álbum, conseguimos resgatar a velha essência que pode ser conferida nas músicas 'Tata Caveira', 'O Triunfo da Escuridão' e 'Unguia Unketa Muki Azan Akodi'. Ficamos satisfeito com esse lançamento, e partimos para as novas composições que fizeram parte de 'Shadows from Beyond'. Durante todo o processo de composição desse álbum, procuramos explorar elementos sombrios e mórbidos que foram unidos a momentos de agressividade. Essa junção obteve um excelente resultado.
Até o presente momento, 'Shadows From Beyond' vem recebendo excelentes críticas tanto por parte do público e mídia.
Lady of Blood |
Metal Samsara: Outro ponto que chama a atenção no novo disco é justamente o fato de estar mais sombrio, e embora existam momentos mais velozes, a banda usa bastante de cadência. Como foi compor mais nessa linha, já que a banda sempre teve bem mais composições rápidas no passado?
C. Imperium: As mudanças ocorreram conforme nossas necessidades. Essas variações em nossa música ocorreram após o lançamento do 'Regnum Infernalis'. Foi uma mudança que necessitou de um certo tempo para se concretizar totalmente. Algumas mudanças não ocorrem do dia para noite, necessitam de certo tempo para que possa vir a ser executada com perfeição.
Metal Samsara: Ainda falando do disco, vemos a presença de bastante temas em português, algo que vocês desde ‘Profanation’ não usavam tanto, com 3 músicas em português entre 7 músicas, quase 50% do disco. Poderia nos dizer o que houve para esta volta às letras em português, ao invés do inglês? E não há certo receio de vocês em relação a aceitação do disco por fãs do exterior?
C. Imperium: Essa variação entre o português e inglês deve-se a necessidade de cada composição. Sempre que finalizamos a parte instrumental de uma determinada música passamos a estudar sua parte lírica. Durante essa etapa, é decidido o idioma que uma determinada música será cantada. Isso depende muito do clima da faixa, procuramos dar preferência em utilizar o inglês em faixas como 'Shadows From Beyond' e 'Divine Condenation', que possuem riffs agressivos e técnicos. O português é utilizado nas faixas 'Morto e Enterrado', 'O símbolo da Decadência' e 'Fúnebre', que possuem uma atmosfera sombria unidas a riffs contínuos e ríspidos.
Procuramos não se preocupar com essa questão da aceitação do material em outros países. Afinal, são apenas 3 faixas do disco cantadas em português, as outras 4 faixas são cantadas em inglês.
Magnus Hellcaller |
Metal Samsara: Falando um pouco do passado, e dando direito de resposta a vocês: há uns 10 anos atrás, o OCULTAN era visto como uma banda muito polêmica, sempre envolta em problemas e mesmo confusões, ao ponto que ninguém deu a vocês o direito de se expressar, sempre tomando a pior interpretação a tudo, e de certa forma, fechando as portas ao seu trabalho. Uma injustiça, e que deixamos o espaço para que possam expressar o seu lado, o seu direito de resposta.
C. Imperium: Realmente algumas atitudes que tomamos no passado fizeram que algumas pessoas criassem certa antipatia em relação a nosso trabalho. Sempre fomos uma banda polêmica, sei que por algumas vezes chegamos a passar dos limites e acabamos tomando algumas atitudes desnecessárias. Porém, muitas coisas que chegamos a falar no passado nada mais são do que verdades que a maioria das bandas já conhecem, e assim como nós, discordam. Só que nunca tiveram a coragem para se expressar de forma publica. Conheço várias bandas que são contra muitas coisas que se passam dentro do cenário brasileiro, só que quando tem a oportunidade de se expressar publicamente e dizer o que realmente acham de certas gravadoras, produtores de shows e outros veículos de divulgação simplesmente se calam.
Mudamos muito a nossa postura em relação ao passado. Hoje me dia, não perdemos nosso precioso tempo discutindo com moleques que se acham os donos da verdade. Não estamos nem um pouco preocupados com o que algumas pessoas acham a nosso respeito. Para nós, o que importa é saber que estamos realmente fazendo o que gostamos e julgamos ser o certo.
Lady of Blood, Count Imperium, Magnus Hellcaller |
Metal Samsara: Outro ponto polêmico: quando se fala no nome do OCULTAN, muitos já olham a banda com certo ar de estranheza pelas letras, que focam a Quimbanda. É estranho vermos muitos bangers que fazem parte do povo que herdou esta cultura rica fazendo troça sobre o assunto sem ter o mínimo de conhecimento. Então, abrimos o espaço para que comente um pouco sobre a Quimbanda, de onde ela vem, e em que se baseia. Fale um pouco sobre Exu, esta entidade que tantos, sejam cristãos quanto “malvadistas” da cena Metal, desconhecem por completo. Ah, sim: sua explicação sobre a ligação entre espíritos ancestrais (os Tatas) e os Exus em uma entrevista que pudemos ler em 2010 foi soberba. E aproveitando a explicação, qual seria uma boa forma das pessoas conhecerem um pouco melhor a Quimbanda em si? E não acredita que estas críticas muitas vezes não é baseada em preconceitos que, no fundo, guardam resquícios de sentimentos cristãos dos colonizadores nas pessoas?
Count Imperium ao vivo |
C. Imperium: Para uma determinada pessoa criticar algo, a mesma tem que possuir base para que suas criticas possam ter fundamentos.
A maioria das pessoas que criticam a Quimbanda não possuem o mínimo conhecimento sobre esse assunto. Confundem a todo momento a Quimbanda com outros cultos afro-brasileiros. Afirmam erroneamente que a Quimbanda e uma ramificação da umbanda ou candomblé. É claro que também podemos citar aqueles que são preconceituosos, são contra o culto pelo simples fato do mesmo ter origens africanas e indígenas.
A Quimbanda é um culto Necromântico, ela é uma síntese entre cultos africanos, bruxaria européia e elementos indígenas.
A palavra Quimbanda é similar a palavra Nganga (palavra Bantu) que significa “curandeiro/ feiticeiro”. Suas raízes africanas vêm dos Bantos, dos povos de Angola-Congo. Na Quimbanda, cultuam-se os Exus primordiais e Catiços. Podemos consideramos os Exus primordiais como o poder exterior acausal. Exus primordiais são as divindades que nasceram em primeiro lugar. Exus Catiços são aqueles que já tiveram encarnação nesse mundo e conseguiram posição de destaque no mundo espiritual, se tornando Exus. São espíritos de antigos bruxos, sacerdotes, feiticeiros, assassinos, dentre outros que se encaixam na vibração energética do culto.
Esse é um culto independente de qualquer outro. Ao contrario do que alguns afirmam, na Quimbanda não existe duas linhas paralelas denominadas esquerda e direita. Existe apenas uma linha que sempre segue o Caminho da Mão Esquerda. Caminho este que é oposto ao criador.
Na Quimbanda, os Exus são tratados como divindades (Superiores) que agem por contra própria, ao contrário do que ocorre em outros cultos que o tratam como um simples mensageiro subordinador por terceiros.
Para possuir maior conhecimento sobre um determinado Culto ou Religião, é preciso primeiramente buscarmos o conhecimento histórico sobre suas origens. Esse é o começo para que a pessoa futuramente possa se aprofundar na parte espiritual de um determinado Culto!
Metal Samsara: Voltando a falar de ‘Shadows from Beyond’, ele é o segundo CD onde a formação da banda se encontra consolidada. Acha que esta estabilidade contribuiu muito para as músicas soarem tão fortes?
C. Imperium: Sim! Esse fator acabou sendo crucial para o resultado final desse álbum. Após o lançamento do 'The Coffin', a cada álbum lançado ocorreram baixas em nossa formação, fato esse que acabou atrapalhando um pouco. Sempre que ocorre uma baixa, acaba-se perdendo mais tempo com o processo de adaptação do novo integrante.
Metal Samsara: Outro ponto: as músicas mostram uma técnica muito boa de todos vocês, com destaque para Lady of Blood, que mostra-se uma ótima guitarrista, uma das melhores do Metal extremo nacional. Essa evolução musical seria fruto justamente da estabilidade da formação ou é algo mesmo de cada um de vocês?
C. Imperium: Acho que essa evolução ocorre naturalmente.Todos nós temos a consciência das funções que exercemos dentro da banda. Por esse motivo, estamos sempre a procura de evoluir individualmente, para que possamos obter melhor desempenho em conjunto.
Metal Samsara: Fora do OCULTAN, vocês possuem vários trabalhos paralelos, como o KHAOTIC, o WARHEAD666, fora terem o selo Pazuzu Records, entre outras atividades. Isso não chega a comprometer o trabalho do OCULTAN de alguma forma? E por falar nisso, quando teremos algo novo do WARHEAD666?
C. Imperium: Damos total prioridade ao OCULTAN. Procuramos trabalhar com nossos projetos pessoais em dias diferentes e quando não estamos e fase de composição.
No momento as atividades do WARHEAD666 estão paradas. Em breve, darei maiores informações sobre um novo projeto que esta por vir.
Magnus Hellcaller ao vivo |
C. Imperium: Quando estamos prestes a lançar um determinado álbum procuramos analisar com calma as proposta, então decidimos qual será o selo responsável por esse lançamento.
A Mutilation esta trabalhando muito bem na divulgação do álbum que vem recebendo excelentes críticas, tanto aqui no Brasil quanto no exterior.
Metal Samsara: Sobre shows: como tem sido desde o lançamento do CD? Existem planos para uma excursão pelo Brasil de divulgação de ‘Shadows from Beyond’? E mesmo convites para tocarem fora daqui, na América do Sul, já que várias bandas estão excursionando por Chile, Peru, Bolívia e outros? E não se esqueçam do RJ, por favor!
Ocultan ao vivo |
Quanto a excursionar por outros países, não concordamos em ter que pagar nossas passagens até outro continente. Achamos uma puta de uma injustiça com nossas bandas. Sempre que bandas de outros países vem tocar aqui no Brasil, os produtores arcam com todas as despesas, as coisas funcionam assim tanto para bandas grandes, medianas ou pequenas. Por esse motivo, jamais aceitaremos tirar dinheiro do nosso próprio bolso para poder tocar em outros países. Não temos que nos inferiorizar, as bandas aqui do Brasil não ficam devendo em nada para bandas internacionais. Já esta mais do que na hora das bandas daqui começar a se valorizar.
Metal Samsara: Agradecemos demais pela entrevista, e deixamos o espaço para sua mensagem final aos fãs.
C. Imperium: Gostaria de agradecer a toda equipe do Metal Samsara pelo apoio ao nosso trabalho, e a todos aqueles guerreiros que vem nos acompanhando ao longo dessa longa jornada.