Por Marcos Garcia
Um Heavy Metal elegante e pesado espera todo aquele que ouvir o trabalho do LETHAL FEAR, banda de Metal tradicional de Amparo (SP), especialmente no disco novo do grupo, “Y2Black?”, que realmente merece aplausos.
Aproveitando o bom momento, fomos bater um papo com eles e saber o que este quinteto almeja.
Metal Samsara: Primeiro de tudo, queremos agradecer demais pela entrevista, e a primeira pergunta é justamente o que significa o título, já que a pronúncia seria “Why too Black”, correto? E qual o conceito que ele contém?
Rodrigo Bortoletto: Nós é que agradecemos pelo espaço. Bem, acho que a ideia do título veio de mim. Na verdade queríamos (assim como no primeiro CD) um título que representasse a nossa sensação em relação ao momento do álbum. “Unleashed” foi o debut oficial da banda; mesmo que de forma independente era um produto final, ao contrário das demos antes dele. O título do 2° disco tem a ver com o sentimento de dúvida em relação ao futuro da banda. Na verdade ele surgiu após a gravação e mixagem. Não queríamos colocar um nome de música como título e o baixista que gravou o álbum (Leonardo) saiu tão logo acabamos as gravações. Tudo estava mudando, a mídia física (CDs e DVDs) morrendo, revistas tradicionais fechando as portas e uma inundação de bandas cover proliferando mais que coelhos pelo já escasso mercado de bandas underground. Na minha opinião as únicas vertentes do metal que ainda sobrevivem no tal underground são as de metal extremo. Para os outros a cena morreu. E só não admite isso quem ainda é sonhador ou bobo mesmo. O título é um questionamento a isso: por que um País tão grande, com tantas pessoas se proclamando o maior público metal do planeta pode ter um cenário tão falido e todo mundo não sabendo como transformar as eternas promessas em conquistas reais? Uma curiosidade é que o disco foi gravado no mesmo ano em que saíram os álbum “Black Ice” (AC/DC) e “Back to Black” (Amy Winehouse), ambos com a palavra “black” no título e os dois álbuns que mais venderam naquele ano! Só fui atentar para esse detalhe em 2010, quando comprei o disco da Amy e vi uma notícia sobre sua vendagem. Se eu fosse supersticioso, teria enfiado uma bala na cabeça por não termos conseguido lançar o disco naquele ano! (risos).
Metal Samsara: Um ponto interessante é que entre “Unleashed” e “Y2Black?” existe um hiato de 6 anos, logo, qual o motivo para este tempo todo de espera? E não acreditam que esta espera acabou dispersando um pouco os antigos fãs?
Rodrigo: Na verdade esse hiato é de lançamento entre os discos físicos e não entre a concepção deles. O “Y2Black?” como mencionei na resposta anterior foi gravado em 2008, ou seja, apenas 2 anos após o lançamento do 1°. E se contarmos que lançamos o 1° em meados de Dezembro de 2006 essa diferença é ainda menor. O atraso se deu mesmo por questões financeiras e organizacionais dentro da banda, como perda de um patrocinador/investidor e mudanças de formação. Além da falta de apoio de selos para lançá-lo. Mas independente disso tudo eu não acredito que ainda existam fãs que se apegam a bandas pequenas como acontecia antigamente. Tudo é muito diluído e as coisas envelhecem muito rápido. Eu não trabalho com o LETHAL FEAR preocupado com fãs. Trabalho preocupado comigo e se a música nos agrada e nos diverte. A parte de que mais gosto é a fase de criação das coisas. Eu me envolvo muito nesses processos e abandono todos os outros. Todo o restante pra mim hoje em dia não me importa. Claro que ainda temos amigos pessoais que nos acompanham, perguntam sobre etc, mas quanto a mercado – e em especial o do Brasil – eu estou mesmo pouco me lixando.
Metal Samsara: E sobre a produção do CD? Como foi para vocês o processo de produzir o disco, mesmo com a ajuda de Renato Napty? O trabalho foi maior do que esperavam?
Rodrigo: O Renato é um cara muito divertido e extremamente perfeccionista. Muita gente talvez não goste da sonoridade do disco, mas ele saiu exatamente como gostaríamos. Eu detesto as produções atuais. A maioria dos produtores atuais trabalha no automático. Poucos ousam e se arriscam. Fazem os discos do Slash e do Cradle of Filth terem o mesmo som nas coisas. Isso é ridículo. Cada banda é uma história. Você pega o Rick Rubin, por exemplo: cada disco dele é um som. Isso é o trampo de um produtor: sacar essas diferenças e não colocar o som mais cristalino pra todo mundo.
Vinicius Sampaio: A produção do disco foi como todas as outras. Ensaiamos bastante ao ponto de chegar ao estúdio com 97% de músicas e arranjos prontos. No estúdio sempre trabalhamos com um técnico/músico para finalizar esses 3%, que às vezes é o ponto onde grandes músicas finalmente nascem - “ou não” como diria Caê... (risos).
Neste disco, como nos outros, tivemos cuidado de escolher o produtor musical, e dessa vez foi o Renato, que tem características próprias dentro do estúdio onde ele trabalha e muito bem conhece. É muito vivo na memória o seu esmero com o equipamento e a pureza do som. Então ele não carregava em processamentos, muito menos em overdubs. Por isso gostei do som, pois não vejo o “Y2black” como um disco sinfônico e grandioso, mas como camerístico e mais cru, com guitarra, baixo, bateria e vocal, com um overdub aqui outro acolá. E a imitação do Barboooooosa (TV Pirata) vinha de brinde a cada take certo!
Cássio Pacetta: o Renato facilita demais o trabalho do músico; sabe apontar as correções sem criar melindres. E é uma figura! Muito senso de humor e sensibilidade musical.
Metal Samsara: Um aspecto bem chamativo são as participações especiais de Fátima Pagan em “Blade of the Immortal” e do próprio Renato em “Fallen Pieces”. Como foi que eles entraram nessa estória?
Rodrigo: A Fátima apareceu pra fazer uma visita no estúdio e tivemos a ideia de gravar sua narração em trechos para a "Blade". E no final a voz feminina deu um toque mais legal mesmo ao trecho que tínhamos feito. Já o Renato entrou por incapacidade minha mesmo (rs)! Queríamos gravar um trecho de vocal gutural na "Fallen Pieces" e eu só conseguia fazer esse trecho de forma aguda. Ele estava me dando os toques da técnica (sala) e o Vinícius falou: “Vai lá e grava você, porra!” E assim, de forma educada e sutil, ele entrou no disco. (risos)
Metal Samsara: Falando em “Blade of Immortal”, sabemos que ela foi inspirada no mangá, certo? Como foi que surgiu a idéia de usar Manji (personagem principal) em uma de suas letras? E antes de tudo: NÃO CONTEM O FINAL, pois ainda não li a obra completa (risos).
Rodrigo: Eu li parte dos quadrinhos e achei muito legal a premissa do personagem. Também não concluí a história, mas já deu pra sacar o esquema e usar a sinopse pra escrever a letra. O Nando (ex-guitarrista) sempre usou influências da literatura em suas letras e resolvi experimentar também. Embora ache que ele é bem mais competente que eu em fazer esse tipo de adaptação. (risos)
Metal Samsara: Falando da arte do CD, realmente este autor logo lembrou de alguma coisa do mangá “Blade of the Immortal”, mas ao mesmo tempo, parece com algumas coisas que Frank Miller deixou como elementos em seus trabalhos, como certos toques de violência. Mas pelo que sabemos, há uma estória sendo contada na arte. Se importariam de nos contar um pouco mais sobre ela?
Rodrigo: E essa era a ideia! Quando fiz a primeira reunião com o Mario Cau (ilustrador) eu já tinha essa ideia de fazer um crossover de estilos. O encarte é dividido assim: as ilustrações da banda em estilo ocidental e as partes do enredo em estilo oriental. O Mario também fez a estilização do nosso símbolo em kanji. E a própria capa já aponta essa fusão de estilos. O álbum em si não é conceitual, mas o encarte sim. É por essa razão também que só existem fragmentos das letras. Demos um jeito de pegar trechos delas a fim de amarrar as ilustrações e contar uma história. E também existe um “easter egg” no encarte. Não há uma ilustração evidente para a música do Judas Priest, mas ela faz parte do encarte. Está escondida na arte.
Cássio: O Mário é um artista grandioso, além de ser um excelente baterista, com uma pegada e visual que lembram uma mistura de Dave Grohl com John Bonham. Numa época em que o CD físico é menosprezado, acredito que vale muito a pena conhecer o encarte de “Y2Black?”. E de quebra você ainda pode ouvir sons bem honestos (risos).
Metal Samsara: Como “Y2Black?” saiu no formato digital ainda em 2012, como foi a recepção dele por parte da crítica e dos fãs? E agora que a MS Metal Records colocou a versão física nas lojas, não acreditam que ela possa ter problemas por conta do hábito “baixei-não-paguei-e-não-compro-o-CD” que muitos possuem?
Rodrigo: Isso não existe. Quem quer comprar um CD compra e fim de papo. Não é igual passar fome onde alguém faz suas escolhas por necessidade. Quando disponibilizamos o CD em formato digital nós só fizemos isso porque não queríamos mais esperar pra lançar e já tínhamos desistido do formato físico, ainda mais porque teríamos que bancar a prensagem. Se puxar o histórico de downloads quase ninguém baixou. As pessoas não ligam para a música. Elas ligam para embalagens e marcas. O fã de rock/metal do Brasil é tão superficial hoje em dia quanto os fãs de outros estilos que eles tanto criticam. Na verdade são até piores em muitos sentidos. Um exemplo? Vejo um monte de duplas sertanejas completamente desconhecidas com agendas lotadas em pequenas casas de shows. Nas casas de rock as únicas bandas que lotam agendas são covers. Ou seja: os fãs de rock não gostam de rock e sim de estrelas do rock. Uma vez li uma matéria assinada pelo Carlão (Dorsal Atlântica) na qual ele citava que o público de hoje é tão cover quanto as bandas que eles pagam pra assistir. Triste isso.
Cássio: As bandas estrangeiras declaram que o público brasileiro é o melhor. Para elas realmente deve ser. O brasileiro paga valores absurdos para assistir a bandas internacionais. Nada contra, se você tem a grana e quer ir, sem problemas; ou então dá aquela falsificada básica na carteira de estudante e paga meia entrada; é a corrupção “combatida” com corrupção (e quem nunca pecou que atire a primeira pedra). A parte triste é ver que shows com quatro, cinco bandas nacionais – diga-se, que não devem nada para as gringas em termos de musicalidade - ficam às moscas, mesmo com ingressos entre R$ 20,00 e R$ 50,00. O Brasil é muito grande, a massa não curte rock, há carência de shows internacionais (apesar de haver vários hoje em dia), a cena é espalhada etc, mas a verdade é que, salvo raras exceções, como nos casos de bandas de som extremo, o público brasileiro não apóia as bandas locais. Pior, em diversas entrevistas já vi pessoas menosprezando-as abertamente. Então o jeito é esquecer um pouco isso aqui e partir para outras terras, onde a cena underground chega a ser melhor – ou ao menos mais honesta - que a nossa considerada “profissional”.
Metal Samsara: Como o CD digital tem um alcance mais amplo, podendo chegar a outros países, chegaram a ter feedback do “Y2Black?” vindo do exterior por parte de fãs e crítica?
Rodrigo: Sim. Sempre tivemos ótimo feedback de outros países. Na verdade sempre tivemos excelente aceitação de todo nosso material por parte de crítica e público. Desde a primeira resenha de um show que fizemos até o atual CD. Acho que é só isso que ainda faz com que a gente continue investindo após tantos anos. Só gostaríamos mesmo é de ver esses elogios todos se transformarem em algo mais palpável. Não digo nos tornarmos milionários ou celebridades, mas apenas ter uma receita que cobrisse os investimentos na banda. Isso que é foda: você investe tempo e grana e todo mundo quer tudo de graça. Não compram CD porque dizem que o artista tem que viver de shows, se você faz shows, os promotores não querem pagar cachê e o público não vai. Aí fica difícil, né?
Cássio: Não são raras as notícias de bandas grandes como Sepultura, Angra etc, de renome internacional, dando conta de que o show foi cancelado por falta de pagamento ou coisa do gênero. Essa é a nossa cena metal? Com esse procedimento provinciano? Convites para tocar aparecem, mas sempre no esquema “não pagamos porra nenhuma, mas vocês podem tocar para divulgar a banda”. Depois de 15 anos? Tá certo, música é diversão, mas tudo tem limite.
Metal Samsara: Bem, agora que o CD físico saiu, é hora de cair na estrada, então, já existem shows confirmados, ou há planos de um giro pela América do Sul, como várias bandas do Brasil andam fazendo, ou mesmo planos para a Europa?
Rodrigo: Claro que não! Sem delongas? Não existe turnê de banda brasileira pequena. O que rola é um monte de gente pagando pra tocar na gringa ou shows esporádicos de 3 em 3 meses em algum festival. Eu me recuso a chamar isso de turnê. E sim, vamos pagar pra tocar lá fora. É o que nos resta a fazer já que aqui acabou faz tempo.
Metal Samsara: Agradecemos mais uma vez pela entrevista, e deixamos o espaço para suas considerações finais e mensagem aos leitores.
Rodrigo: Nós que agradecemos pelo espaço concedido e espero que as pessoas tenham entendido meu ponto de vista. Não se trata de chorar ou sentir inveja, mas de tentar forçar uma reflexão. Uma vez abrimos um show da banda do Zak Stevens (Circle 2 Circle) e enquanto estávamos tocando a galera ficou do outro lado da casa noturna bebendo e vendo DVD do Iron Maiden no telão. Foi a banda deles entrar pra pista lotar. Acho isso uma burrice, pois você deixa de conhecer uma banda e que ainda por cima pagou por aquilo, afinal o valor da banda de abertura está embutido no ingresso. Não ligo de acharem nossa banda uma bosta. Mas entrem, assistam e depois ignorem se quiser. Desprezar sem conhecer eu acho um sinal de ignorância crônica. Respondi primeiro que todos e espero que eles discordem de muito que falei. É assim que tem que ser. A banda tem que ter opiniões contrastantes para que sempre sejam feitos questionamentos. Assim como toda boa discussão que busca avançar de fato. Detesto entrevistinhas de respostas prontas onde todo mundo fala que tudo está bom e bem. Que fingem que existe um circuito, um público e uma cultura que gera o auto-sustento das bandas. Enquanto ficarem com esse discurso de maria-mole, enquanto montam “trocentas” bandas cover pra ganhar grana, nada vai mudar. Agradeço pela entrevista, pelo espaço, pela resenha e, acima de tudo, pelas perguntas que fugiram do comum. Um abraço e nos vemos (ou não) por aí.
Cássio: Também gostaria de agradecer imensamente pelo espaço que nos foi dado; independentemente dos problemas citados, é sempre bom lembrar que nós resolvemos ter uma banda de Heavy Metal num país de proporções continentais, onde a maioria avassaladora da população prefere outros estilos musicais, portanto não adianta nos colocarmos numa posição de queixa sobre a cena (obscena) local. Temos que trabalhar e levar nosso projeto adiante. Acho até que demoramos para programar uma saída do Brasil, o que deve ocorrer em 2014, mas enfim, vamos em frente, e mais uma vez pagando do nosso próprio bolso. Por outro lado também não podemos ficar dourando a pílula, acreditando que a cena aqui é uma maravilha, como alguns defendem. Tem banda boa pra caramba aqui, mas ninguém quer pagar por elas, seja pelo ingresso do show, seja pelo CD, seja pelo que for. Querem de graça. Querem pelo metal. Engraçado, mas o aluguel da casa do show tem que ser pago, o som, os seguranças, o bar etc, e aí quando surge a banda querem de graça? Quantas bandas de metal com som próprio vivem somente da música que fazem no Brasil? Então, após 15 anos de estrada, carregando instrumentos nas costas, viajando madrugadas adentro e praticamente pagando pra tocar, chega uma hora na qual se torna mais prazeroso reunir o pessoal da banda - que, acima de tudo, são grandes amigos – para bater papo, beber, ensaiar, compor novas músicas e tocar quando dá vontade. E felizmente estamos seguindo nosso caminho desse jeito, sem grandes pretensões, mas trabalhando de forma totalmente honesta; e, claro, sentimos grande orgulho ao recebermos boas críticas sobre nossa música sem que para isso tenhamos que pagar um tostão sequer à mídia especializada, o que por si só é uma grande vitória, pois vivemos na terra do jabá.
Confiram a música "Burning Wings", do disco novo, “Y2Black?”: