12 de abr. de 2013

Um Original não se desoriginaliza e nem desoriginalizará jamais




Por Vincent Morrison

E lá vamos nós de novo na velha questão do original…O trava-língua acima é o “X” desta questão.

A Die Hard nunca teve uma curva descendente desde sua inauguração, há mais de dezesseis anos, excetuando-se, claro, o fator sazonalidade. E isto quer dizer muita coisa, mas a principal delas é que tem (bastante) gente comprando CDs (DVDs, etc…) originais. Nem a descaracterização da Galeria do Rock, pra quem está em São Paulo, e nem a pirataria generalizada desestimularam o comprador do produto original.

A música digital está aí, como a fita K7 no passado, e o rádio sempre esteve. Ótimo pra divulgar, mas ninguém “coleciona” isso. A internet veio democratizar a música (entre outras informações), e nem vamos tocar no assunto da pirataria digital aqui, longo, complexo e extenso que merece um texto exclusivo, mas, assim como democratizou a música, elitizou o produto, pois muita gente não se interessa em ter o produto físico e, quase sempre nem o oficial, ainda que digital.

Esta questão do original também vale para outros produtos, não só os musicais, como livros, filmes, etc. A opção de baixar ou de comprar o pirata, talvez, tenha a ver menos com a condição financeira, é mais com a questão cultural mesmo. Quem faz questão do original pode até se dar ao luxo de baixar algumas coisas, mas quando conheceu e gostou, dá preferência ao produto original no suporte físico pela qualidade, pelo investimento, pois se por acaso for se desfazer sabe que venderá mais caro do que o preço que pagou, e pela consciência, é uma ligação que se tem com o músico que gosta, alguns centavos seus foram parar no bolso do músico, do autor, da estrutura que viabilizou a música desde sua composição no caderninho ou no tablet do músico até chegar em mãos… Esta viagem da distribuição do dinheiro também poderia ter um texto exclusivo : )

A compra de um CD original não se dá apenas com as bandas mais clássicas como muita gente pensa, bandas novas têm seus CDs esgotados pela qualidade, um exemplo que posso falar com tranqüilidade pela intimidade com o caso, pois é um lançamento da Die Hard Records, o álbum Unpuzzle da banda Maestrick. Composições de qualidade, conceito original, arte da capa inovadora, o CD se esgotou em pouco tempo, com a mesma quantidade prensada de muitas bandas gringas e a maioria delas muito mais antigas, que ainda estão em processo de distribuição, ou seja, conclui-se que a qualidade é ainda o fator decisivo na hora da compra, e isto é bom.


Em se tratando de coleção, não se coleciona xerox de livros, pode-se ter alguns até em casa, mas daí a chamar de coleção… Não se coleciona cópia de nada, a coleção tem por princípio a originalidade… Também não tem sentido uma cópia de um CD numa coleção, principalmente numa época em que a tecnologia parece caminhar mais pro streaming do que pro download. Cópia física pra que?

E mesmo não se tratando de coleção, o prazer de se ter um original, seja do que for, é indescritível. Walter Benjamim dizia que a obra de arte original tem uma “aura”. É claro que tem, não fosse isso as filas para exposições como a do CCBB aqui em São Paulo, sobre os impressionistas, por exemplo, não teriam o menor sentido, pois todas aquelas obras foram reproduzidas à exaustão, todo mundo as conhece, mas sentir o que se sente ao estar em frente a um Van Gogh não tem explicação. De fato é uma questão de opção, mais do que de investimento financeiro. Reforçando, uma questão cultural…

Penso estarmos vivendo numa época de transição, aliás a indústria está sempre impondo isto, efeito colateral do sistema de consumo, insistimos em colecionar o que a indústria insiste em descartar. Do velho vinil em 78 rpm até o CD, em constante transformação, não só de formatos e tecnologia dos equipamentos, mas também de conceito. E um conceito do qual nos apegamos e que será muito difícil descartar é o conceito de álbum. Desde Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band dos Beatles, passando pelo Freak Out, de Frank Zappa e bandas inteiras como Led Zeppelin, Pink Foyd, Dream Theater, etc comprovam isto. Não tem sentido uma música existir isolada de suas companheiras de álbum. Estes discos foram feitos pra se ouvir uma música após a outra, na ordem. O CD, mesmo tirando a pausa (inclusive física) entre os lados A e B do vinil, manteve a ordem das músicas, e a arte da capa, mesmo tendo diminuído bastante, contém todas as informações artísticas, gráficas, fotográficas, técnicas… Estão todas lá.

Já divagando, cabe lembrar que um filme de cinema foi feito para ser visto no cinema, com aquele ambiente escuro, e (quase) sempre quieto e calmo, naquele tamanho de tela, e sem interrupções. Vê-los na TV ou em vídeo ou baixados está cada vez mais comum, mas a experiência é outra no cinema, sem contar que downloads, principalmente os ilegais, ou mesmo no youtube há erros crassos, créditos errados ou simplesmente ausentes, cortes, falta de qualidade… Nos produtos originais, DVD destes filmes por exemplo, a ocorrência destas aberrações que intrometem no resultado artístico é quase nula.

Marcos Garcia e Vincent Morrison na Die Hard
Há alguns dias li um texto da Fernanda Torres na Folha de São Paulo onde ela dizia que a nova geração não respeita direitos autorais, que só conhece algumas obras pelos equipamentos portáteis como smartfones ou tablets, entendo que pode ser a maioria dos muito jovens, ou os mais próximos a ela, o que vejo são clientes de todas as idades fazendo questão dos CDs originais, e, sabendo que não comercializamos piratas nem usados saem (ou recebem seus produtos pelos Correios) ainda mais satisfeitos. Este desrespeito pelos direitos autorais, definitivamente, não é um comportamento generalizado “de geração”.

Estamos focando na cultura, mas basta um passeio pelas ruas pra ver pirata de tudo: tênis, cigarro, roupas, equipamentos, tem até um país inteiro se especializando nisso. E isto não significa que devamos seguir a turba, ainda que “o único desejo que sobrevive na massa deriva do medo de não fazer parte dela.” Márcia Tiburi . As vantagens em se comprar originais são inumeráveis, da qualidade à certeza de sua contribuição aos artistas e responsáveis pela viabilização do produto. Quanto aos piratas, só há desvantagens, da falta de qualidade à contribuição com a máfia, o poder paralelo. Se com o poder oficial as coisas estão como estão, imagine então os interesses claros e específicos dos ”paralelos”. Em outra frase, de John Ruskin, este pensamento está resumido: “Não há nada no mundo que alguém não possa fazer pior, e mais barato. Quem considera somente o preço acaba sendo a merecida vítima”.

Estamos nos acostumando a escolher os formatos que nos interessam, a TV não matou o cinema, o rádio não matou o jornal, o CD não matou o vinil e a internet não vai matar nada. O consumo de produtos culturais originais com qualidade é uma conquista, e tem sim muito a ver com a cultura, pra finalizar, e os objetivos da pessoa que quer para si o que proporciona para o outro, e geralmente quer respeito e honestidade.

Concluindo com mais uma frase:

“Uma sociedade sem cultura, é claro, torna-se selvagem” – Andrei Tarkovski.


Vincent Morrison é editor do Zine O Grito e das publicações nas redes sociais da Die Hard, selo independente e loja física (lj 312) da Galeria do Rock. Fone (11) 3331-3978. http://www.diehard.com.br
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