10 de out. de 2012

Psique do Headbanger Brasileiro - Matéria Especial


Por Alexandre Watt Longo

“Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, os homens se libertam em comunhão”. (Freire, 1980 p.04)

Marcos Garcia, colaborador de vários órgãos da imprensa
metálica no Brasil, em sua apresentação oral no IV Simpósio Brasileiro de
Geofísica Espacial e Aeronomia, em São Paulo.
Após ter aceitado esta difícil, porém desafiante e nobre tarefa de tentar “esquadrinhar” um perfil do amante da música “pesada” (sic) brasileira - decidi começar com uma frase de Paulo Freire, que além de ser nosso maior educador, só não ficou mais famoso porque era brasileiro... O que retrata bem a situação tanto das bandas nacionais, quanto do público, que sofrem uma espécie de estigma, por sermos de um país marcado por extremas diferenças sociais e que infelizmente reverberam há anos no imaginário dos estrangeiros e que ainda são os grandes produtores da música da qual falamos.

Mas esta frase de Paulo Freire, também retrata o espírito por aqui dos nossos “bangers” (Professor Pasquale diria batedores de cabeça mesmo, já que estamos no Brasil), pois esse estigma que passamos de povo ainda em desenvolvimento (e já melhorou bastante essa imagem) faz com que sejamos sempre muito unidos, com este espírito de comunhão altamente ativado (os que se queixam de desunião são aqueles que se perderam em seus próprios devaneios Egóicos e sem estrutura emocional) e digo mais: somos altamente fiéis ao estilo, ao ponto perigoso de nos tornarmos dogmáticos... O que não é salutar em nenhuma instância de vida.

Mas vamos em frente: como definir o perfil de um banger brasileiro? Existe mesmo um perfil ou algo maior que nos liga e nos define?

Débora Brandão, da Metal Media Management, mãe coruja e orgulhosa Alec.
Temos experiências concretas tais como o grupo Metal Friends, com mais de 1.200 membros e que além da paixão pelo estilo, também ajuda seus membros em vários aspectos e mantém a cena das bandas nacionais sempre ativa, indo aos shows, comprando camisetas e material promocional e divulgando nas mídias a música como um todo. Temos também excelentes sites, blogs e revistas, todos especializados como o Metal Samsara, Vandohalen, Roadie Crew, entre outros... Que mantém a “chama do metal” sempre acesa. Mas ainda não chegamos nesse perfil... Por isso quero convocar Carl Gustav Jung para definir a Psique do banger Brasileiro.

Jung
Segundo Jung, Psique (leia Pisíke – acentuando a letra í) é a denominação da fonte de toda atividade mental humana. Ela abriga nossa consciência e também nosso inconsciente, ou seja, é a totalidade.

Nos séculos XVI e XVII, a psicologia considerava somente a porção consciente da personalidade, praticamente não se falava em inconsciente, sendo que o Ego seria um núcleo central como o Sol, com os planetas que seriam as paixões e os instintos orbitando ao seu redor.

Mas na segunda metade do século XIX, pensadores e cientistas postularam que os fenômenos conscientes são complementados por outra parte, que é inconsciente, sendo que muito antes disso, Nicolau Copérnico já havia balançado a posição do homem no Cosmos: não éramos mais o centro do Universo, assim como o Ego não era mais a parte central da mente.

Portanto, o banger brasileiro tem uma Psique particular, influenciada por toda uma cultura e arquétipos, que são muito diferentes dos europeus e norte-americanos.

João Zattarelli, colaborador da Roadie Crew, administrador dos fã-clubes
brasileiros do ICED EARTH, GUS G e TIM RIPPER OWENS, com esposa e filhos.

Arquétipos são tipos arcaicos, postulados por Jung, mas antes já definidos por Santo Agostinho (um dos maiores filósofos e pensadores da Igreja Católica) e estes tipos arcaicos são elementos culturais que nos transpassam por seu poder numinoso (fantástico) e nos influenciam. As vocações seriam explicadas pela regência desses arquétipos, por exemplo: um sujeito que decide ser médico, ele estaria se ligando a arquétipos específicos da Medicina e cura e assim todos nós somos direcionados e impelidos a algo maior.

A Psique do banger brasileiro também sofre influência desses arquétipos que formam uma fonte de cultura, uma espécie de DNA cultural que nos influencia. Por isso, somos tão viscerais, pois somos ligados, antes de qualquer coisa, aos arquétipos do escravos africanos, dos Orixás, dos Índios, pois são estes povos que nos concedem esta força e garra, características típicas do povo brasileiro e também do amante de música pesada no Brasil.

Germânia Gonçalves e o filho Aleister.
Lembro-me de conversar com o saudoso Wander Taffo, com quem tive o prazer de trabalhar em sua escola de música, que na época que ele começou a tocar, o material de guitarra era escasso e equipamento idem. Por isso, ele fazia de palheta aquelas antigas fichas telefônicas, pois quando chegavam palhetas eram todas muito caras e não duravam tanto. Mais uma prova da brava Psique dos amantes do rock no Brasil.

E o público foi se desenvolvendo assim em todas as vertentes do rock: sempre com muita dificuldade e acesso aos materiais, repressão extrema por conta da ditadura imposta tantos anos. E diferente dos norte-americanos que criaram o Rock por um distanciamento entre os pares parentais (a guerra do Vietnã deixou filhos sendo criados por avós, isso provocou um abismo de ideias e para ter voz em detrimento daquelas ideias foi criado o estilo), aqui no Brasil o rock já entrou na cultura como uma “contracultura”, marginalizado e subversivo, mas sempre muito engajado política e socialmente e com uma mensagem forte sempre.

Isso criou uma marca na Psique dos bangers brasileiros, pois como disse, alguns americanos só queriam ter voz, mas não necessariamente protestar, mas aqui tudo sempre foi muito visceral, intenso e esta marca psíquica perdura até hoje.

Rodrigo Balan e Débora Brandão, da Metal Media Management, e o filho Alec.
Por isso não adianta comparar: o banger brasileiro é fruto dessas energias essenciais dessa Psique construída com nossa história. Somos intensos e quase primitivos, o que nos concede uma força extraordinária quando necessitamos de união, pois somos quase que um povo totêmico (Totem e Tabu – Freud), mas que pode ser perigosa quando essa força fica descontrolada ou dogmática, ela pode ser levada a uma polaridade perigosa e ficar sem sentido ou significado.

Alexandre Watt Longo, baterista do GOATLOVE,
Psicólogo e autor desta matéria com sua filha Camila.
Portanto, o banger brasileiro é dotado de uma Psique forte, com muita base, o que nos torna uma potência, mas uma Ferrari nas mãos de um piloto despreparado perderá a corrida para um fusquinha...

Por isso de nada adianta tanta força e robustez, sem inteligência. O preparo anterior é sempre bem-vindo. Então bangers de todo Brasil, vamos refletir sobre nosso papel, que é forte por si só, mas que precisa ainda de muito preparo e sutileza para se consolidar como efetivo em nosso cenário musical.




Referência Bibliográfica:

Agostinho, Santo. Retirado de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Agostinho_de_Hipona
Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 1980. São Paulo – Editora Paz e Terra
Freud, Sigmund. Totem e Tabu. In: Obras Completas. 1993 – Editora Imago, Rio de Janeiro.
Jung, Carl Gustav. A natureza da Psique. 1985. São Paulo – Editora Vozes

O autor é Psicólogo clínico Junguiano, baterista da banda GOATLOVE, e dono dos sites  iluminandoasombra.blogspot.com www.wix.com/alexandrewatt/psicologo


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