2013
Independente
Nacional
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Metal Media (Assessoria de Imprensa)
Nota 10,0/10,0
Texto: Marcos "Big Daddy" Garcia
No Brasil, sabemos que o país se encontra em uma enorme crise financeira na atualidade. Mas há anos, existe uma crise cultural enorme. Seja pela falta de educação familiar, a falência do ensino e até mesmo as concepções errôneas levadas para dentro de nossas salas de aula sobre o que realmente é cultura, o povo brasileiro nunca esteve tão mal em termos culturais. Falar em vultos inspiradores ou episódios de nossa história caiu em desuso em prol de propostas equivocadas de nossos educadores, mais preocupados com teorias políticas que já caíram em desuso do que realmente promoverem a cultura e o ensino de qualidade para nossas crianças e jovens. E isso, meus caros, é triste.
Triste, pois no meio de guerras ideológicas, toda herança histórica de nosso país é deixada de lado. Mas ainda bem que existem bandas no Brasil que se preocupam com isso, e um dos nomes mais fortes dessas que resistem à idiotização das massas (seja nas escolas, na TV ou outros) é o ARMAHDA, banda de São Paulo, que há dois anos lançou seu primeiro trabalho, que leva o nome do grupo e que mostra o quanto se pode ser relevante pelo lado musical e lírico ao mesmo tempo.
Antes de tudo, é preciso que se deixe claro que o grupo (na época da gravação, um dueto, com alguns músicos convidados completando a formação) pratica um Heavy Metal tradicional pesado, vigoroso e bem feito, com aquela pegada pesada moderna, além belo trabalho instrumental e vocais excelentes. Ou seja, eles fazem o típico Heavy Metal "Made in Brazil" com uma personalidade vibrante, além de cheio de energia e alguns toques que remetem à vários estilos de música regional do Brasil (Como se pode ouvir claramente nos violões em "Canudos"). E para dar aquela personalizada final, as letras são focadas na história do Brasil, falando de eventos como a Guerra de Canudos, a Revolução Armada, entre outros.
Ou seja, um trabalho musical e lírico de primeira.
Com produção feita pelo próprio dueto, e tendo Rafael Gomes Zeferino na co-produção, mixagem e masterização (e que além disso, tocou bateria no disco), podemos dizer que a sonoridade de "Armahda" é forte, vigorosa e pesada, mas clara na medida certa. O capricho é enorme na parte de acabamento, inclusive. A arte como um todo (capa, layout) são de Renato Domingos (guitarrista do grupo), que deu uma caprichada, mesmo sendo algo mais simples.
A força do ARMAHDA está em composições bem arranjadas, nada enjoativas, com muitas mudanças rítmicas. E a técnica não é a tônica do grupo, mas mesmo assim, o nível do instrumental é alto, sem que a banda soe desconexa ou mesmo auto-indulgente. Não, eles souberam o que fazer. E podemos dizer que, além de Rafael, as presenças de Cíntia Scola (corais em "Uiara"), Edson Xavier de Oliveira (baixo em "Canudos"), Silvio Navas (como Floriano Peixoto na narração em "Armahda") deram um sabor especial ao CD.
Não me atreveria a destacar uma ou outra faixa em "Armahda"...
Ñorairô - Uma intro climática, cujo nome significa "guerra" no dialeto Guarani, levada com violão e arranjos em teclados, que vai ambientando o ouvinte.
Echoes from the River - Uma bicuda forte na porta logo de cara, rápida e ríspida, mostrando riffs pesados, além de vocalizações usando timbres bem agressivos, alguns tons mais agudos. E reparem na força do refrão, que transpira certa melancolia. Aqui, se fala do Tratado de Madrid (1750), que cria as fronteiras das colônias portuguesas e espanholas na América do Sul, o que causa o conflito entre os colonos (de ambas as nacionalidades) com os índios Guaranis no sul do Brasil, onde houve um massacre deles.
Queen Mary Insane - Uma introdução com violão vai deixando o clima bem denso, até que entra uma verdadeira pancada intensa, com belos arranjos de guitarra, backing vocals ótimos e ótimo solo (que foge um pouco do padrão do Metal tradicional, sendo bem rápido e agressivo, mas sempre melodioso). E aqui, se fala de Maria, a Louca, rainha de Portugal e do Brasil, mãe de Dom João VI, o imperador que fugiu da Europa e instalou a sede do Império no Brasil.
Canudos - Um dos grandes momentos do disco, com uma vibração mais soturna, levada quase toda em violão e alguns teclados, mas com alguns momentos mais pesados. Ela transpira uma forte introspecção, e os toques que lembram a música nordestina é devido ao fato da Revolta de Canudos, liderada por Antônio Conselheiro que durou de 1896 a 1897, na comunidade de Canudos, no interior do estado da Bahia. É um dos mais tristes episódios de nossa história.
Armahda - Outra das grandes faixas do disco. Um belíssimo refrão, velocidade com boas mudanças, um trabalho ótimo de baixo e bateria, e fora a narrativa de Floriano Peixoto (primeiro vice-presidente do Brasil e seu segundo presidente, já no período republicano) que dá um toque denso à canção. Aqui, se fala na Revolta da Armada (ou seja, da Marinha do Brasil) contra o governo republicano recém instaurado.
Flags in the Wind - Mais uma faixa linda e pesada, com belo dueto de solos, momentos mais fortes e um andamento em velocidade mediana. Certa influência do BLIND GUARDIAN antigo fica em evidente no toque mais Folk Metal existente na faixa, mas sem ser uma cópia. Discorre-se sobre a Bandeira de nosso país e sobre os verdadeiros patriotas, os que dão o sangue e a vida pela nação sem nada querer em troca.
Paiol em Chamas - Outra cheia de energia e veloz, cheia de arranjos bem feitos, com foco nos vocais e um excelente refrão. Cantada em português, aqui narra-se os incidentes dos paióis que explodiram de Deodoro, no Rio de Janeiro em 1958, e que causou uma caça às bruxas na região.
Matinta - Aqui, a velocidade fica menor, dando uma ênfase maior ao trabalho da cozinha rítmica, mas como a letra lida com um personagem de nosso folclore (Matinta Perera), o toque de Folk Metal novamente surge, apenas um pouco mais sutil, e mesmo alguns momentos herdados do Metal extremo, além de termos um solo de guitarra inspirado.
Spears of Freedom - Uma belíssima e melodiosa canção, rápida e feroz, mostrando que o grupo sabe pegar pesado quando necessário. Aqui se fala sobre os lanceiros negros, lutando nas batalhas de Seival (1836) e de Porongos (1844), ocorridas nos peri[iodos regencial e no Segundo Império do Brasil, referentes à revolta dos Farrapos, no RS.
Uiara - Uma linda e climática balada, com um jeitão bem introspectivo e toque Folk, falando de Iara, outra entidade que pertence ao folclore do Brasil.
The Iron Duke - Uma canção com andamento mediano, com riffs agressivos e mudanças de andamento ótimas, além de belos corais e backing vocals bem encaixados. Outro dos grandes momentos do CD, verdade seja dita. O tema? O Duque de Ferro, o Pacificador, o Patrono do Exército brasileiro, Duque de Caxias.
What Could Never Be - Novamente, mistura-se a pegada do Metal tradicional com a força de melodias vocais ótimas e guitarras bem pesadas (nos solos, clara influência de Eddie Clark em alguns momentos). O tema das letras não ficou muito evidente para este autor, mas nada que uma pesquisa não ajude.
Pathfinder - Em mais de nove minutos, muitas mudanças (de momentos mais calmos até outros mais ríspidos), mas sempre mantendo o interesse, graças ao trabalho vocal excelente. Outra em que ficarei devendo a explicação sobre o tema das letras.
Um excelente disco, que infelizmente o Metal Samsara só pôde resenhar agora. Mas antes tarde que nunca, e verdade seja dita: já que os outros estilos musicais cultivados no país andam tão preocupados em sabotar a mentalidade dos mais jovens com letras sem valor cultural algum (nem me venham de mimimi, pois não há debates contra fatos), bandas como o ARMAHDA são preciosas, e merecem aplausos.
Ah, sim: junto com as bandas TAMUYA THRASH TRIBE, CANGAÇO, ARANDU ARAKUAA, VOODOOPRIEST, MORRIGAN, HATE EMBRACE e ACLLA, o ARMAHDA forma o Levante do Metal Nativo, um grupo de bandas que visa divulgar a cultura de nosso país em suas músicas.
Uma bela iniciativa nesses tempos.
Banda:
Maurício Guimarães - Vocais, violão
Renato Domingos - Guitarras
Ale Dantas - Guitarras
Paulo Chopps - Baixo
João Pires - Bateria
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