Nota 10,0/10,0
Por Marcos "Big Daddy" Garcia
Nesta vida, tudo é incerto. Vivemos conforme nossas sensações e sentidos. E assim, a Roda de Samsara nos prende a ela, até que transcendamos tudo aquilo que nos mantém presos ao império das nossas mentes, onde se ancoram nossos sentidos distorcidos. Uma vida, muitas vidas, sempre indo, voltando, sempre em meio à impermanência, indo do riso da alegria que nunca é satisfeita plenamente ao sofrimento constante. A mente sendo aniquilada faz com que as sensações sejam vencidas pelo caminho do meio, e o Nobre Caminho Óctuplo nos permite distinguir a verdade e perceber a totalidade do que nos cerca. E é assim que podemos representar a visão que “Mantra”, novo CD do trio KAMALA, de Campinas (SP): uma autêntica libertação de visões distorcidas do que é Metal como música ou apenas como um meio de se extravasar a rebeldia (que acaba se voltando contra nós mesmos).
O trio foca suas energias em criar um Thrash Metal moderno, agressivo e bruto até os dentes, chegando a esbarrar no Death Metal por isso em alguns momentos. Mas não sejam iludidos por seus sentidos e impressões iniciais: o trabalho do grupo é algo ótimo, assentado sobre estruturas harmônicas muito bem feitas, melodias subjetivas que fazem com que as músicas tenham um ganho de requinte providencial. O trabalho do grupo é feito por vocais urrados (e algumas vezes gritados) em seus timbres mais normais, riffs de guitarra absurdamente bem feitos e brutos, com intervenções de solos com boas melodias (basta ver que existe o uso de wah-wah provedencial, como visto em “Becoming a Stone”), o baixo exibindo boa técnica em muitos momentos, e uma bateria técnica e com um peso absurdo. A música da banda é tão madura que chegamos a nos perguntar porquê grande parte do público do gênero ainda é alheio ao trabalho deles, que esbanja energia, brutalidade e bom gosto. E rompe com fronteiras e dogmas musicais sem pudor algum.
Produzido por Guilherme Malosso (que ainda mixou e masterizou o disco) e Yuri Camargo, com tudo feito no RG Estúdio, em Americana (SP) entre dezembro de 2014 e Março de 2015, fica claro que a banda realmente botou tudo de si no disco e que Guilherme e Yuri souberam trabalhar: qualidade de gravação abusivamente perfeita, seca, com tudo em seus devidos lugares, esbanjando timbres bem feitos e peso, mas clara, ao ponto de um instrumento não convencional como didgeridoo (um instrumento australiano de sopro usado pelos aborígenes locais, tocado por Vitor Martins), samplers e participações especiais de Guilherme nos vocais em “My Religion” e de Maya Silva em “Mantra”, “What We Deserve” e “Erawan” ficarem bem audíveis e claras. Sim, essas presenças deram um toque de criatividade a mais ao CD. A arte de Felipe Rostodella com as fontes de Allan (baixista/vocalista do trio) é bem feita, com um layout mais simples, mas explorando bem a temática mais consciente do grupo, e as imagens estilizadas de Ganesha (deus hindu que representa a sabedoria e a força para transcender problemas de uma forma lógica) representando cada um dos membros do trio.
O KAMALA já não anda sendo convencional desde “Seven Deadly Chacras”, de 2012, e agora, resolveu transcender ainda mais as fronteiras. Óbvio que isso demanda arranjos musicais muito bem feitos (mas que são bem espontâneos), dando um forte toque oriental/indiano ao grupo, mas sem o descaracterizar. E para se compreender “Mantra” em sua plenitude, é realmente necessário fugir de velhos padrões e permitir que sua visão se torne mais ampla. “Mantra” transpira uma forte positividade, mesmo em suas letras e momentos mais brutos.
Após a intro instrumental “Warning”, o disco já começa em alto nível com “Mantra”, uma faixa bruta e ríspida, com andamento bem variado, forçando baixo e bateria a fazerem um ótimo trabalho. Em seguida, “Alive” mostra ainda mais adrenalina, mas com uma pegada Thrasher contagiante, com ótimos vocais e riffs insanos. “What We Deserve” já começa com um riff de guitarra instigante e bumbos duplos fantásticos, mas logo vira a típica faixa para rodas de pogo e a cabeça balançar até o pescoço doer, com belos arranjos de guitarras e energia aos borbotões, fora arranjos orientais muito bem encaixados, onde ouvimos o baixo recheando um momento mais ameno perfeitamente. Em “Better Energy, Less Anger”, outro apelo ao pogo e banging sem fim, recheada por baixo e vocais esbanjando força, fora uma letra que mostra um pouco de um ensinamento sublime. Mais agressividade saindo pelos falantes é o que “My Religion” oferece, uma canção cheia de arranjos bem abrasivos, reforçando o clima opressivo e permitindo que bateria e baixo se sobressaiam bastante (reparem bem nas bases e no o solo cheio de influências orientais nas notas e entenderão o que digo), sendo os mesmo elementos que encontramos na um pouco mais rápida e cativante “Becoming a Stone” (mais um solo caprichado e belos momentos do baixo). “Airavata” é uma instrumental climática, cujo nome se refere ao elefante sagrado que é montaria de Indra, divindade hindu do trovão. Segue-se a climática, pesada e intensa “Erawan”, uma faixa um pouco mais curta, mas bem abrasiva (e cujo nome se refere diretamente à cultura do povo da Tailândia, já que é de um museu de lá, adornado com um elefante de três cabeças). Fechando o disco, temos a bem trabalhada “Suicidal Attack”, onde ainda temos agressividade em estado bruto, mas certo apelo melódico introspectivo permeia a canção do início ao fim, dando o encerramento com chave de ouro.
O KAMALA mostra raça e disposição para se manter na luta, “Mantra” se coloca entre os melhores discos do ano, e mostra uma banda que sabe aliar uma música excelente, letras inteligentes e que possuem muito a ensinar a todos nós.
Um CD perfeito!
Músicas:
01. Warning
02. Mantra
03. Alive
04. What We Deserve
05. Better Energy, Less Anger
06. My Religion
07. Becoming a Stone
08. Airavata
09. Erawan
10. Suicidal Attack
Banda:
Raphael Olmos – Vocais, guitarras, guitarra acústica
Allan Malavasi – Baixo, vocal, guitarra de 12 cordas
Estavan Furlan – Bateria, percussão, vocal
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