2014
Nacional
Nota: 10,0/10,0
Texto: Marcos "Big Daddy" Garcia
Pegando a deixa da polêmica sobre a extinção do Ministério da
Cultura do Brasil, quando vi o tema em debates apaixonados, com apologias cheias de lágrimas (algumas de crocodilos, sejamos sinceros), não pude deixar de pensar comigo mesmo:
"oras, um ministério que só servia para divulgar lixo ideológico como
cultura é inútil, e seu fim, justificado". Dou-me o direito a esta opinião
baseado em muitos fatos e trabalhos que todos conhecemos há anos, mas talvez um nome seja suficiente para que entendam
os motivos de minha alegação: MIASTHENIA.
Sim, pois o excelente grupo de Brasília não me parece
receber incentivos do governo federal do país. E mesmo assim, é um sopro de originalidade
e boa música em nosso país, que o diga "Legados do Inframundo", seu
disco mais recente, de 2014.
Quem conhece bem o trabalho do grupo, sabe que terão um
Black Metal agressivo e tenebroso, mas repleto de ricas melodias. Se sua música
já não fosse diferenciada por si só, basta mencionar que toda a concepção artística e lírica
do trio é sobre mitos indígenas da América Latina, o que nos leva a travar
maior contato com nossa Alma Mater. Ou seja, é quase impossível de separar o
lado instrumental da parte lírica, que formam uma unidade sólida. E os elementos musicais do grupo são o uso de toda a potencialidade de ótimos
vocais rasgados (Hécate tem uma voz bem diferenciada dentro do cenário, e, ao
mesmo tempo, sabe usar bem seus timbres limpos), riffs técnicos e cheios de
melodias (e muito bem trabalhados, com Thormianak mostrando-se um dos melhores guitarristas do Metal extremo nacional), baixo e bateria em uma base pesada e com
boa diversidade técnica (em que pese a ausência das quatro cordas ao vivo, e V. Digger é um monstro em termos de técnica e peso), e
um trabalho de primeira nos teclados (que dão uma aclimatação tenebrosa em
alguns momentos, e em outros, eles ajudam a reforçar as melodias soturnas do grupo, bem como ao vivo suprem a ausência do baixo). O
trabalho do MIASTHENIA é realmente belo e precioso.
Miasthenia |
E a arte do disco é algo belíssimo, bem feito, e coerente
com o lado lírico do grupo.
O MIASTHENIA possui uma diversidade de arranjos excelente,
muitas mudanças rítmicas, mas sempre soando coeso, firme, pesado e de primeira.
Nada em "Legados do Inframundo" é descartável, nada está sobrando, e
é tudo muito cativante, inspirador.
Não sei se vale a pena destacar uma ou outra canção do
disco, já que de ponta a ponta, ele é de primeira, fruto de muito trabalho.
Após a introdução de voz e teclados "Deuses Fúnebres",
vem a agressiva e bruta "Saga ao Xibalbá" (como as guitarras esbanjam
riffs e ótimos licks, sem contar as melodias e harmonias preciosas), seguida da
também veloz e cheia de nuances belas de teclados "Entronizados na Morte"
(algumas passagem brutalmente soturnas de teclados são ótimas, fora
intervenções muito boas das guitarras). Seguindo, temos a lindamente trabalhada
"Sacerdote - Jaguar", onde baixo e bateria estão muito bem, diante
das muitas mudanças rítmicas, e não tão brutal como as anteriores e explorando
um pouco mais o lado melodioso e soturno da musicalidade do trio, temos "Tok'yah",
preenchida pelo ótimo trabalho dos vocais, que tornam a se destacar na variada
"13 Ahau Katún" (onde o timbre limpo de Hécate mostra-se soturno e
gélido, dando uma sensação fúnebre à canção nesses momentos). "Senhores do
Mitnal" se inicia de forma grandiosa, mas que logo ganha contornos mais
agressivos e intensos, com uma boa dose de velocidade nos andamentos (mas
cuidado, pois o trio não é de ficar em apenas um tipo de ritmo, e a bateria de
V. Digger dá um show de rapidez nos bumbos em alguns momentos, fora excelentes
conduções). Fechando o disco, a climática e melodiosa "Legados do
Inframundo", com alguns toques de agressividade providenciais e um
trabalho de primeira nas guitarras, com toques melodiosos nos vocais limpos.
Mas de bônus, temos "Onde Sangram Pagãs Memórias", diretamente de
"XVI", primeiro disco da banda (de 2001), onde apenas os vocais foram
regravados, e ela recebeu uma remixagem e remasterização, mostrando a combinação perfeita de agressividade, grandiosidade e melodias, ou seja, a coerência
da trajetória do grupo em todos esses anos.
Sei que muitos leitores se revoltarão com as palavras
iniciais da resenha. Mas verdade seja dita: o que o MIASTHENIA mostra em
"Legados do Submundo" deveria ser mais que suficiente para todos os que choram reverem conceitos...
Uma aula que merecia estar nas escolas, tanto pela música de bom gosto quanto pelo banho de cultura.
Músicas:
1. Deuses Fúnebres
2. Saga ao Xibalbá
3. Entronizados na Morte
4. Sacerdote – Jaguar
5. Tok'yah
6. 13 Ahau Katún
7. Senhores do Mitnal
8. Legados do Inframundo
9. Onde Sangram Pagãs Memórias
Banda:
Hécate - Vocais, teclados
Thormianak - Guitarras, baixo
V. Digger - Bateria
Contatos: